sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

ABANDONADOS....



Durante os primeiros seis anos da guerra colonial, o Estado só pagava o regresso de militares vivos. Permanecem até hoje enterrados em África cerca de 1500 corpos. Muitas famílias já os esqueceram, algumas ainda não. A arqueóloga Conceição Vitoriano Maia foi à Guiné desenterrar o irmão. Otília Gonçalves só quer trazer “o mano” de Angola.


“Pedia a V.ª Ex.ª, pela sua saúde, já que não tive a sorte de trazerem o meu filho vivo, peço-lhe que mo mandem mesmo morto. Para eu o adorar e rezar ao pé daquele bom querido filho. Peço imensa desculpa a V.ª Ex.ª destas minhas tristes palavras, mas a dor é tão grande que não sei onde hei-de respirar. O nome do meu filho é Francisco da Luz Carloto.”

Sem querer, a carta de uma camponesa alentejana que não sabia escrever ajudou a mudar um pormenor da história.
Maria Florinda da Luz tinha sido informada por telegrama que o filho tinha morrido na guerra em Moçambique a 19 de Janeiro de 1967. Se o quisesse trazer, teria de pagar 12 mil escudos, o que equivaleria, aos preços de hoje (de acordo com o conversor da Pordata), a cerca de 4 mil euros. Era impossível, mas a mãe do soldado sentiu que, à sua maneira, tinha de fazer alguma coisa.
“A minha sogra era uma mulher sem estudos, mas bem resolvida”, lembra ao P2 a nora, Brígida Leitão. Partiu dela a ideia de ir ter com quem sabia, “o senhor presidente da junta”: “Ela a chorar disse-lhe tudo o que sentia, o que tinha no coração” e ele lá organizou e arrumou as frases à sua maneira, que assim seguiram, em tom submisso, para o ministro da Defesa, uma ousadia nos tempos que corriam.


Desde que a guerra tinha começado, em Angola em 1961, que o Estado português só pagava a ida e o regresso aos militares vivos, não o dos mortos. Quem queria trazer os seus tinha de pagar e quanto mais longe morria o militar mais caro: trazer um corpo de Moçambique era o mais caro; da Guiné, por ser mais próximo, ficava um pouco mais barato, 7500 escudos (cerca de 2500 euros), lembra o livro de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial 1961.1975 (QuidNovi), que cita a carta da mãe e explica as suas repercussões.
“A transladação era incomportável para a maioria das famílias, era uma sociedade ruralizada, com hierarquias, com uma desigualdade mais nítida e aceite do que é hoje”, explica Carlos Matos Gomes. O que, na prática, acontecia é que eram as famílias dos oficiais quem mais meios tinha para pagar pelo regresso dos seus mortos. “A transladação era para uma elite social”, constata o autor e coronel na reserva.


Ernestina da Silva — que só este mês, 54 anos depois da morte do pai em Angola, em 1963, conseguiu transladá-lo para Portugal — não sabe se, na altura, foi sequer dada a possibilidade à mãe de pagar os 10 mil escudos que eram exigidos à família, o que equivaleria a cerca de 4000 euros aos preços de hoje. Teria sido indiferente. Era impossível angariar essa quantia. A mãe vivia da agricultura, plantava batatas, tomates, faziam azeite e vinho. Teve aliás de emigrar para a Alemanha, deixando a filha com oito anos a ser criada pelos avós. Os pais do soldado morto também pouco podiam fazer, eram agricultores, nove filhos. Nunca houve campa.
Ainda devolveram à família a aliança e o mostrador do relógio Sigma que o soldado António Lopes da Silva usava quando foi morto, “que veio cheio de sangue”, e que Ernestina conserva até hoje dentro de uma caixinha de veludo.


A grande maioria dos mais de cerca 1500 militares portugueses (de acordo com o levantamento mais recente feito pela Liga dos Combatentes) que permanecem até hoje

“Eu revi-me na pele da Tina. Tenho muito orgulho de ela ter conseguido.” Otília Gonçalves, 54 anos, conheceu pela Internet a filha que trouxe o pai de Angola, foi de propósito de Braga a Lobão da Beira para o funeral. Anda há cerca de dez anos a tentar trazer “o mano” de Angola. O irmão, o mais velho de 11 filhos, morreu no início da guerra, a 15 de Outubro de 1961, junto a uma fazenda chamada “Tentativa”. Embora nunca o tenha conhecido sem ser de foto, a presença da sua ausência marcou-lhe a infância na aldeia de Ponte de São Vicente, distrito de Braga. “Eu, pequenina, ia dar com a minha mãe a chorar sentada no chão, atrás do milho. ‘Sai daqui’”, ordenava à filha. Não queria que a sua dor fosse vista. Foi assim durante anos. No Verão, na altura de arejarem as roupas, do fundo de uma arca de madeira saía também o livro da primária “do mano”. É a única dos irmãos que não desiste. “Os meus irmãos acham que já não há nada para trazer.” Para Otília, há algo inacabado. Só receberam um telegrama a dizer que tinha morrido de acidente, perto de Nambuangongo, “muito simples e frio, ponto final. Se quisessem o filho, tinham de pagar. Era impossível. Tinham de vender a casa e as terras, claro que não dava”. Chamava-se Aquilino da Silva Gonçalves, era segundo cabo do Exército, ia fazer 21 anos.

Escreveu cartas e emails ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, “a todos os órgãos”. “‘Acusamos a recepção, com os melhores cumprimentos.’ Mais nada. Tenho tudo arquivado.” “Quero trazer o meu irmão, quero que os meus pais descansem.” “Há muita gente que já não tem família mas há muita gente que ainda os quer trazer. Eu preciso.”

sábado, 16 de dezembro de 2017

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

46 ANOS APÓS A PARTIDA

Estamos a volatizar-nos no tempo, aos poucos estamos a partir para outro teatro onde as acções serão diferentes. Quando tal vier a acontecer todos sem excepção devemos levar no peito a mágoa de nunca termos sido reconhecidos pela nossa entrega a uma causa perdida.
Vamos desaparecendo gradualmente sem nunca as entidades competentes nos terem dado o valor que merecíamos.
Alguns através de persistência e amor á causa, vão organizando os almoços convívios para cimentarmos a nossa camaradem. Um obrigado a todos aqueles que não deixam de alimentar este sonho.


     

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

13º ALMOÇO CONVÍVIO - COIMBRA 21-10-17

Desde já um obrigado a todos os camaradas presentes e respectivos familiares que se encontraram neste almoço convívio da ONZIMA(C.Caç. 3411) passados 46 anos após a nossa partida para terras de Angola.
O tempo passa muito rápidamente e acabamos por vezes por incorporar vazios nas nossas recordações de 27 meses no Songo que reflectiram companheirismo com bons e maus momentos.
Quero manifestar o meu orgulho de poder estar entre camaradas e amigos, fruto de uma geração sacrificada a que não foi dado o reconhecimento devido pelas entidades deste país.
Apesar de ser um dia para entrelaçarmos emoções, não podemos deixar de prestar a nossa homenagem aos camaradas que já partiram e que nos deixaram saudades, para eles peço um minuto de silêncio:::::::::::::::::::::::::
Em contraste e porque a vida continua, quero pedir uma salva de palmas a dois camaradas madeirenses, que pela 1ª vez estão presentes num convivio da Onzima, são eles o Aires Freitas Pinto e o Jorge Manuel dos Santos.
Hoje realizamos o 13º convivio, relembrando que os outros 12 tiveram lugar em:::::::::::::::
Quero também relembrar o nome de todos aqueles que não puderam estar presentes pelos mais diversos motivos::::::::::::::::
DEIXANDO PARA TRÁS ALGUMAS RECORDAÇÕES, QUE PENSO SERÃO AINDA PARA MAIS LOGO TEMA DE ALGUMAS CONVERSAS ENTRE NÓS, HOJE NÃO ESTAMOS TODOS , MAS OS QUE ESTÃO FAZEM LEMBRAR O SENTIMENTO de QUE NA ADVERSIDADE PASSADA NASCEU ESTA CAMARADAGEM, MANTENDO-SE PRESENTE AINDA ESTE ESPÍRITO DE GRUPO.
UM BOM ALMOÇO. UM BOM CONVÍVIO. UM OBRIGADO A TODOS.






sexta-feira, 1 de setembro de 2017

EI-LOS QUE PARTEM

      
Dos que partiram, nem todos regressaram, ou voltaram precocemente, por razões diversas: o clima, a alimentação, a desidratação, o isolamento, a ansiedade e, até a falta de noticias da família; os acidentes de viação, a utilização e/ou o manuseamento de armas, em condições anómalas, ou quedas sofridas durante as operações ou nos serviços do aquartelamento; o rebentamento de minas e armadilhas, accionadas inadvertidamente aquando da montagem e/ou desactivação: a não resposta à chamada, durante alguma acção, de camaradas desaparecidos, nos rios ou nas matas, por se terem perdido ou terem sido capturados; os feridos em combate, atingidos por tiros, estilhaços de granadas e/ou rebentamento de engenhos explosivos, de que resultaram ferimentos graves e mutilações, quer nos atingidos quer nos camaradas próximos. Muitas destas razões provocaram a evacuação dos “atingidos directamente” para um posto de socorro de retaguarda e, nalguns casos, o regresso ao Teatro de Operações, mas para outra unidade, já que a sua ausência havia sido complementada por novas mobilizações.

                  “Mas quando alguém do nosso grupo cai, 
                  ‘inda é pior, ‘inda sofremos mais. 
                   Faz-nos sentir, faz-nos pensar 
                   Talvez da próxima vez 
                   Seja eu, quem vai tombar!” 

Versos ouvidos, repetidos, sentidos e sofridos por quem por lá andou. 

A queda de alguém que “tombou no campo da honra” era, e ainda é, terrível não só por quem o passou directamente, mas de quem dele teve conhecimento, mesmo que indirecto e, por força da sua vivência de guerra, acabou por causar traumas, muito semelhantes, aos que foram atingidos directamente. 





segunda-feira, 21 de agosto de 2017

13º ALMOÇO CONVIVÌO

Companheiros de uma vida, iremos realizar o 13º almoço convivío da ONZIMA, no dia 21-10-2017 em Coimbra no Restaurante Solar do Bacalhau.
Aqui fica o menu do Almoço, que espero seja do agrado de todos aqueles que estiverem presentes.
A todos aqueles que ainda não confirmaram a sua comparência, aqui fica o meu contacto de Tlm. 918616491.
Um obrigado e estaremos em comunhão de emoções no dia 21-10-17.
Abraços.

                   
http://www.solardobacalhau.pt/

ENCONTROS

08-08-17
A GUERRA NO TEMPO...
Quatro companheiros da guerra, juntaram-se para recordar. Um obrigado pelo partilhar de emoções.
Albano Laranjeira- Jaime Mota-José Luís Martins-José Beja



19-08-17
RECORDAR O PASSADO....
Hoje voltamos a cruzar emoções e sentirmos que ainda estamos vivos, faz bem e revigora o nosso ego. Obrigado pelo convívio e pela amizade.
Albano Laranjeira-Mário Morgado-Luís Oliveira-José Santos Rodrigues




segunda-feira, 14 de agosto de 2017

16.000 DIAS

Passaram 16.000 dias após pisarmos o aeroporto de Figo Maduro. Parece que foi ontem, mas vai distante o ano de 1973. Tudo tem um fim, e aos poucos vamos partindo, ficando só a memória de uma geração que foi ceifada pela guerra. Um abraço forte aos que ainda resistem.





quarta-feira, 9 de agosto de 2017

SONGO-A SUA HISTÓRIA


 As histórias mágicas do norte do país mergulham bem fundo nas lagoas do Songo. As lendas do Uíge são ancestrais e passam de boca em boca desde quando os tempos eram coisa sem calendário. A vila cafezeira do Songo é o lugar de cidades inundadas e luzes misteriosas no fundo de águas claras.

A tradição do norte é coisa muito própria. Estamos em terras do antigo Reino do Congo e toda essa sabedoria, lendas e histórias vêm de tempos lá muito atrás. A província do Uíge é parte desse todo que foi poderoso e que ainda hoje tem uma força cultural intensa.
A noroeste da capital da província, está o Songo. Vila de recente fundação. As terras que hoje conformam o município só foram reconhecidas oficialmente como posto administrativo colonial em 1923, a 4 de Abril. Contam que o lugar foi fundado por um português, António Cordeiro de Oliveira, que ali chegou uns anos antes, em 1919. Não se sabe ao certo de onde vinha, se ali chegou em deambulação ou com missão explícita de reforçar a presença colonial na região. A 27 de Julho de 1960, o Songo foi elevado a vila, impulsionada pela produção de café nas suas terras. Por estes anos o Uíge era uma potência cafeicultora mundial. Um monumento ao café relembra a quem visita o Songo a sua vocação que, pouco a pouco, vai renascendo. O Songo é dessas vilas pequeninas em que Angola ganha outra cara. Talvez mais real e pé no chão. Sem alaridos nem maquilhagem desnecessária. Directa e sincera, como as suas gentes. E com sabores tão nossos como a nfumbua ou a kizaca. Uma volta pela sede municipal é uma visita a um passado não tão distante, feito de casas comerciais de colonos, de edifícios rústicos e sóbrios de lugar agrícola. Centro Turístico Esta é a história oficial, com H grande, linha de tempo bem horizontal e com direito a referências de almanaque. A outra história é bem diferente. Escrita com letras grandes do princípio ao fim, conta os murmúrios que esvoaçam, tipo brisa, por entre as moreiras, pau-preto, mucambas, muanzas, takulas e tantas outras árvores que se fecham em selva nestas terras altas da província. É a uns quilómetros do Songo, no lado direito da estrada entre a vila e Ambuila, que se revela um outro lado deste lugar. A tradição aqui surge em forma de lagoa. Mufututu, chamam-lhe. As histórias fantásticas sobre este ponto de água cristalina, bem pertinho da aldeia de Quimacuna, são de arregalar os ouvidos. Contam que lá em baixo das águas cristalinas há uma gruta de onde saem bagres já fumados ou cozidos. O estranho fenómeno terá sido descoberto em 1922 ou 1923 pelo mais-velho Nkelani. Esta lenda que os habitantes de Quimacuna juram ser verdade-verdadeira, foi contada em voz viva pelo mais-velho Mateus Domingos ao Jornal de Angola, numa visita do jornalista José Bule ao local. Atordoado pelo fenómeno, depois de descobrir a lagoa, o parente Nkelani voltou a Quimacuna, perseguido por dois porcos. Antes de morrer subitamente, teve uma visão onde os bagres lhe pediam que ninguém entrasse na lagoa. Desde então, não há vivalma autorizada a pescar ou mergulhar naquelas águas.
Os sonhos e visões nunca mais cessaram. Dizem que sempre que algo importante está prestes a acontecer, os bagres mergulham nos sonhos dos sobas da aldeia, como alerta ou anúncio. As lendas sobre este lugar mágico, a apenas 47 km a norte do Uíge falam também que na lagoa vivia a Mãe Bagre. Um dia, incomodada pelas obras na estrada que passa ali ao lado, a progenitora de todos os peixes da região foi viver para a lagoa Dimina, comuna de Kinvuenga. Não sem antes se despedir do então soba de Quimacuna, Miguel Nsanga, num sonho em que pediu que os habitantes da aldeia cuidasse dos seus filhos.
Com ela, desapareceu também um dos outros grandes mistérios do Mufututu. Contou o velho Mateus Domingos a José Bule que antes havia uma enorme cidade dentro da lagoa que só era possível visitar, uma vez observada uma cerimónia ritual. “Depois da mãe dos bagres mudar de residência, a cidade desapareceu e agora só se vê uma luz verde lá no fundo”. Palavras do mais-velho. A força dos antepassados aqui é forte, e não há que pôr em causa as histórias de quem realmente conhece a terra e vive lado-a-lado com os mistérios que ela encerra. Se gostar de viajar pela mágica tradição do nosso país, numa paisagem natural de beleza densa e verdejante, o Songo é lugar ideal.
O Songo fica cerca de 50 km a norte da cidade do Uíge, na via que liga o corredor Negage e Uíge.


domingo, 30 de julho de 2017

SONGO-UÍGE-ENCONTRO ANUAL

O encontro anual que se verifica todos os anos no último Domingo do mês de Julho. As recordações permanecem e extravasam emoções entre os que se reúnem em Mogofores. O tempo vai-nos distanciando e distorcendo as imagens através dos anos. Aos que estiveram presentes um abraço de saudade.





domingo, 23 de julho de 2017

O JORNALISMO PORTUGUÊS na GUERRA COLONIAL

Fundamental a recolha de testemunhos dos profissionais que cobriram a guerra na função de repórteres. Importa ainda ter em conta a relação existente entre jornalistas e Forças Armadas no teatro de operações, não esquecendo que houve jornalistas que fizeram uma pausa forçada na profissão para servir a pátria como militares. Não menos relevante é compreender a função do jornalista que vivia e trabalhava nas províncias ultramarinas e do enviado especial da metrópole ao território português desconhecido. Havia diferenças entre o jornalismo praticado nas regiões em guerra e na metrópole?

terça-feira, 18 de julho de 2017

O CHÃO FRIO....



  • Nas três frentes da guerra colonial, caíram para sempre, milhares de jovens, abraçando a terra quente e vermelha. Muitos deles não voltaram à sua Pátria, foram abandonados e votados ao ostracismo de vários governos.
  • Um País que ignora os seus filhos e a sua história deixa de ter pergaminhos.



sexta-feira, 26 de maio de 2017

WIKIPÉDIA MILITAR




Uma vida cerceada pela guerra onde tive momentos difíceis, alguns já se dissiparam com o decorrer do tempo.


Um historial de uma vida, de Mil cento e noventa e três dias.

Escola Prática de Cavalaria(EPC)------------------ -077 dias
Escola Prática do Serviço de Material(EPSM)-----076 dias
Direcção Geral de Material de Guerra(DGMG)---294 dias
Região Militar de Angola(RMA)--------------------806 dias

Partida para RMA no Navio Vera Cruz em 31-07-1971
Chegada a Luanda em 09-08-1971

Chegada ao Aeroporto Figo Maduro em 23-10-1973



quinta-feira, 11 de maio de 2017

MÃE, A GUERRA



Viram-nos partir. Por entre as lágrimas roubadas a um coração despedaçado, cravaram na memória o último sorrido brotado no último instante do último adeus. E eles foram. Olhavam o longe e procuravam sentir o bafo daqueles filhos paridos com dor, com amor, com a esperança de os verem serem homens, pais capazes de lhes darem os netos ansiados.
Viram-nos partir. Por entre a desolação do tempo consumido nas sombras de dias intermináveis, esperavam notícias. Às vezes apenas uma ou duas frases. “Mãe, está tudo bem.” “Mãe, hoje vou sair para uma missão.” E, afinal, nada estava bem. E, afinal, uma bomba, uma mina perdida, uma bala desgarrada cobravam-lhes o mundo. Cobravam-lhes a vida.
Longe, as mães, esperavam. Às vezes chegavam cartas. Muitas não sabiam lê-las. Esperavam pela noite. Aguardavam a chegada de uma vizinha, de um outro filho. Só então, naquele matraquear de palavras construídas a partir da escrita vinda de um além indefinido, percebiam a dimensão da tragédia.
Viram-nos partir. Nunca os viram regressar. Nunca a dor as abandonou. Nunca aqueles corações voltaram a experimentar a paz. Nunca aqueles rostos reconstruíram a memória dos dias felizes. Nunca aquelas lágrimas deixaram de lhes escorrer pelo rosto como punhais afiados. A dor é uma peçonha agarrada ao corpo. E o corpo chora. E o corpo daquelas mulheres vagueia no presente como um fantasma ancorado na memória de um passado cruel.
São mães cujos filhos morreram em África, numa guerra colonial prolongada para lá de toda a racionalidade. Tudo começou a ganhar uma outra dimensão quando no dia 4 de fevereiro de 1961 o MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola desencadeia um ataque à cadeia de Luanda. Morrem sete polícias e tudo muda. No dia 15 de março do mesmo ano, um outro passo é dado pela UPA - União das Populações de Angola. A norte, numa área que abrangia os distritos do Zaire, Uíje e Quanza-Norte, acontece um ataque tribal e daí nasce um massacre de populações brancas e trabalhadores negros originários de outras regiões.
Foram treze anos de guerra, sistematicamente condenada pela ONU e distribuída por três frentes: Angola, Guiné (a partir de 1963) e Moçambique (a partir de 1964). O 25 de Abril de 1974 coloca um ponto final no sofrimento de uma juventude portuguesa cujo futuro aparecia sempre condicionado pelo terror da partida para África. Alguns não compareciam às inspeções, outros desertavam. Muitos deles por rejeitarem a participação num conflito que condenavam. Do qual discordavam, numa altura em que praticamente toda a Europa colonial já se desfizera dos seus impérios. A maioria, porém, integrava os contingentes gerais.
Partiam. Não sabiam se regressavam. Milhares morreram na vastidão de África. Muitos outros milhares ficaram feridos. Alguns com mazelas físicas ou psicológicas para o resto da vida. Deles se fala com frequência. E na valorização desse sofrimento é demasiadas vezes esquecido um outro sofrimento. O das mães que choram em silêncio.
Fomos procurá-las. Encontrámos mulheres como Delta Monteiro, 90 anos, de Valpaços. De três filhos, só o mais velho foi para a guerra. Morreu no dia 25 de maio de 1973. Faltavam-lhe apenas dois meses para receber a guia de marcha e regressar ao convívio com aquela mãe que sempre viveu no campo, a vender batatas e hortaliças.
“Quando soube que o Carlos tinha de ir para a guerra, foi como uma facada que me deram”, diz Delta. Não sabe explicar, mas um pressentimento fê-la saber que nunca mais aquele filho regressaria com vida. A memória daquela mãe destroçada ainda hoje se fixa “naqueles olhos tão lindos, castanhos, brilhantes e grandes”. Nunca mais teve direito a sentir a força daqueles braços que lhe rodeavam o corpo e a apertavam com força mas também com doçura.
Todos as semanas, Carlos enviava um aerograma à mãe. O último foi expedido no exato dia em que morreu. Dizia apenas: “Vou ser rápido. Está a chegar a avioneta e eu não quero deixar a mãe sem notícias”. Aquela mãe jamais teria querido saber aquela notícia.
O general Spínola, ou alguém por ele, dirigiu uma carta a Delta Moreira. Para lhe dizer que o filho era um herói e morrera pela pátria. A carta funcionou como salvo conduto para o segundo filho não ir para a guerra. Mas aquela mãe não queria uma carta do general Spínola. Não queria um herói. Só queria ter em casa o José Carlos.
Tal como Helena Cardoso, 94 anos, que foi padeira em Rio Tinto, Gondomar. Sabia de um saber nunca ensinado que “a guerra era a morte”. Mãe de cinco filhos, sentiu-se como que esventrada ao ver o mais velho, José Moreira Regadas, partir para Angola. Esperava notícias, mas as notícias não chegavam. O primeiro aerograma demorou uma eternidade até aterrar em Rio Tinto. Helena chorava. Chorava muito por nada saber de José. Até que um dia lhe chega uma carta. Dizem-lhe que José fora ferido e iria regressar. O José que regressou não era o mesmo José que partira. Atingido por uma mina, perdera toda a autonomia. Não se mexia. “Tempos difíceis, pesados como chumbo”, recorda Helena.
Cada história é um novo poço de tristeza. Às vezes são lutos eternos, os vividos por mães como Rosa Jado, 99 anos. Falar do filho Domingos é, ainda hoje, uma impossibilidade. Domingos foi mobilizado para Angola. Regressou em muito mau estado. Acabou por morrer. Rosa começa por aceitar conversar. Só que, para Rosa, a dor é tamanha: verbaliza a palavra “Angola” e nada mais a retira do pranto em que esmorece. Não há mais nenhuma palavra. Porque nenhuma palavra consegue descrever o sofrimento destas mulheres.
Entre 1961 e 1974, a ditadura portuguesa fez sangrar o país em três frentes de combate colonial. Segundo números oficiais, quando se chega a 1974, ano em que foram mobilizados 150 mil efetivos militares para o esforço de guerra em África, entre 7% a 10% da população portuguesa, e mais de 90% da juventude masculina, tinha sido de alguma forma envolvida na guerra.
Em 13 anos morreram mais de 8 mil soldados e ficaram feridos ou incapacitados mais de 100 mil portugueses. Os danos psicológicos são difíceis de contabilizar, mas alguns especialistas da área da psiquiatria apontam para mais de 140 mil portugueses psicologicamente afetados pela guerra.
Dados do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) permitem concluir que morreram 8.831 militares portugueses, dos quais 4.027 em combate. A maioria das mortes ocorreu em Angola (3 455). Seguem-se Moçambique (3 136) e a Guiné (2 240).
Aqueles números, ao referirem apenas os militares mortos, estão longe de traduzir a realidade, uma vez que não incluem as vítimas mortais de civis brancos e negros, tanto entre os guerrilheiros dos movimentos de libertação como entre a população civil.

OUTRORA

01 de Março de 2008 A construção do blogue da Onzima, teve como intenção dar a conhecer a nossa vivência por terras de Angola. Dei a conh...